A nova alta tem gerado preocupação na FAO. Os incêndios florestais ocorridos na Rússia fizeram com que o governo de Moscou impusessem drásticas resatrições às exportações de trigo. Com tal medida, teve início um surto especulativo no mercado de commodities agrícolas, o que promoveu uma imediata elevação dos preços do cereal, a qual já provocou resultados trágicos, como os protestos populares em Moçambique contra os reajustes dos preços do pão, que deixaram um saldo de 13 mortos.
De acordo com de Schutter, os aumentos nos preços só podem ser explicados pela formação de uma bolha especulativa. Com o colapso de outros mercados especulativos, como o das hipotecas imobiliárias dos EUA, em 2008, muitos investidores migraram para aplicações consideradas tradicionalmente mais "estáveis". Assim, "fortes similaridades podem ser vistas entre o comportamento dos preços das commodities alimentícias e outros refúgios de valores, tais como o ouro" (The Guardian, 24/09/2010).
O surto de valorização dos preços dos alimentos ocorrido entre 2007 e 2008 resultou em uma série de protestos em mais de 30 países, resultando em mais de 150 milhões de "novos famintos". Embora alguns poucos alimentos tenham registrado queda desde então, a maioria está 50% mais cara do que nos níveis pré-2007.
Os preços dos alimentos estão aumentando a uma taxa anual de 15% no Nepal e na Índia, e a uma taxa similar na América Latina e na China. Nos EUA, os preços do milho encontram-se nos níveis mais altos desde 2008, motivados por relatos de agricultores sobre os rendimentos decepcionantes nas primeiras colheitas da temporada. Por sua vez, os aumentos nos preços estadunidenses influenciam os preços na Europa, onde o trigo, por exemplo, atingiu o nível mais alto em dois anos, com € 238 por tonelada.
Diante de tal cenário ameaçador, alguns países estão promovendo a toque de caixa investimentos no seus setores agrícolas domésticos, de modo a ampliar a oferta interna e reduzir a exposição às flutuações de preços no mercado mundial de alimentos. Este é o caso do Egito, que anunciou recentemente a meta de ampliar a sua autossuficiência de alimentos para 70% da sua demanda total.
A permanência da especulação com alimentos, a despeito de todos os riscos sociais e políticos que acarreta, decorre da relutância dos governos das principais economias quanto a se tomarem medidas efetivas para a regulamentação do sistema financeiro internacional, sobretudo, para coibir as atividades meramente especulativas.
Em entrevista ao The Guardian (24/09/2010), a deputada britânica Caroline Lucas sintetizou a questão com uma proposta radical: "Os alimentos foram transformados em commodities a serem comercializadas. O comércio de alimentos não deve ser tratado simplesmente como outra forma de negócios como sempre: para muitas pessoas, é uma questão e vida ou morte. Nós devemos insistir na completa remoção da agricultura da alçada da Organização Mundial do Comércio."
Por outro lado, o problema da expansão da produção de alimentos (que constitui, este sim, uma autêntica emergência mundial) esbarra também na ideologia ambientalista e seus desdobramentos políticos, como os obstáculos artificialmente colocados à expansão da produção agrícola no Cerrado brasileiro por pretextos ambientais que raramente têm fundamento científico.
Por tudo isso, é preciso que os governos retomem o conceito da segurança alimentícia, em lugar de deixar a solução dos problemas do setor ao sabor dos apetites dos especuladores globais, de modo a assegurar às suas populações garantias de abastecimento a preços acessíveis e evitar eventuais perturbações sociais que podem ter sérias repercussões políticas.
Para a jornalista Miriam Leitão (ver aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário